biriríbororó (1)

Adoraria trazer pra cá um depoimento sobre meu processo criativo no qual diria que sou muito organizada, faço planilhas, prevejo tudo, me dedico a um projeto por vez. Não é assim que acontece. Agora mesmo tô escrevendo 3 livros ao mesmo tempo (isso depois de um longo bloqueio criativo causado por exaustão, babado que eu deixo pra contar numa possível edição dois dessa coisinha, junto com as 73 páginas do romance novo que eu resolvi “jogar fora” e recomeçar). É isso, ando fazendo exatamente o que eu digo pras pessoas participantes das minhas oficinas, cursos, acompanhamentos de processos literários não fazerem.

Fazer o quê?!

2 livros de contos e 1 romance. Nenhum deles tem muito a ver com o outro. A minha obsessão é investigar formas narrativas e brincar com a linguagem, por isso a cada projeto mudo tudo, conforme o projeto pede. Vez em quando gosto de me reaproximar de movimentos que já experimentei, só pra ver o que sai deles no tempo presente, repito, mas transformado. Acho bonito essas pessoas autoras que se dedicam por anos a um mesmo projeto literário, perseguindo um mesmo tema ou uma mesma forma e linguagem. Queria ser assim. Mas dizem que estilo a gente aceita e lapida, não escolhemos. Gosto de concordar com essa ideia. O que me obceca, mais que conteúdo, é a forma e a linguagem, é pelo exercício estético que eu fico de quatro (embora eu creia mesmo que forma linguagem e conteúdo se fazem muito conectados).  E aí, dentro desse jogo, me encanta o movimento, gosto de ir experimentando. Já aceitei que sou menos estável e mais caótica nos processos criativos, o restante da vida é toda tranquila e calma e centrada e vai bem, obrigada (meu olho esquerdo tá tremendo há semanas já).

Respira três vezes e vai.

Não me perguntem se desse mato sai cachorro (é cachorro mesmo que tem que sair? Eu tenho uma questão com ditados populares, erro todos). Não faço ideia de qual livro vai ficar pronto primeiro, se é que algum vai. A cada x de tempo um deles se impõe e pede pra ser tomado por inteiro, eu tomo, escrevo, reviro e aí o outro grita. Aceitei que os 3, de alguma maneira, resolveram me enlouquecer. É um motim.

Uma hora a literatura se vinga.

Vou compartilhar no fim desse post a foto do caderninho de processo de um desses 3 projetos. Um caderninho fofo que esconde o garrancho da minha letra e a bagunça das minhas anotações. Alguns contos inteiros escritos no papel, outros contos criados direto na tela. Fragmentos que, provavelmente, nem vão pro livro. Em alguns projetos, geralmente romances, eu divido os cadernos, um para esboçar cenas e capítulos, outro para anotações e perguntas, algo mais fora do texto. Meus processos não têm nenhum padrão ou regularidade que depois possa servir de estudo para especialistas, caso eu venha a ser uma autora reconhecida – e aqui eu gargalho, porque né, quem sabe depois de morta, só assim com esse mercado literário tão impermeável e previsível. A essa altura de 2024, se o teu livro não estiver na lista de melhores do ano dos portais badalados, nem resenhado nos jornais badalados, se tu não morar em Sampa e não participar das rodas badaladas, já dá pra ter uma ideia que é bem provável uma morte lenta na praia.

Sigo morrendo na praia publicação após publicação, porque eu amo escrever. E porque acredito que a gente tem que transformar a praia, com os zumbis que nela habitam, no verdadeiro centro da festa. Seguimos tentando, e a cada morridinha eu vou tendo encontros maravilhosos, ganhando novas leituras e parcerias, reconhecendo gente mais que generosa, vendo os livros chegarem em lugares que eu não poderia prever e tá tudo bem não serem badalados, a gente precisa reinventar o badalo, inclusive. Quem define?

O meio da literatura é essa montanha russa, a gente ama, odeia, cansa, retoma, acredita, pega puxa estica e vai, tudo isso com os solavancos dilatados pela perversidade do sistema capitalista que parece fazer uma cama bem gostosinha entre as redes que operam no mercado literário. Estamos precisando de mais monstros que saiam debaixo dessas camas e façam tremer o sistema. Buh!

É isso, se meus 3 livros escritos ao mesmo tempo não me enforcarem antes do fim, eu tenho mais três rodadas de morte lenta na praia pra oferecer pro mundo. Há quem talvez se alegre com isso. Vou fingir que sim.

Aqui é a primeira manifestação da escritora cansada que me habita. Espero que gostem. Não prometo que vamos ter uma segunda, mas quem é que sabe… a gente gosta de dar braçadas e colecionar câimbras.

Abraços e obrigada por ler esse biriríbororó que me recuso a chamar de newsletter. (Tô viciada em falar biriríbororó, desculpem).

Curiosidade desse processo é que não tenho usado caneta, apenas lápis e lapiseira.

Alerta de anúncio:

E, ah, lancei um romance, meu primeiro, em junho desse ano, chama AÇOUGUEIRA, não é terror, nem suspense, embora brinque com o suspense e tenha assassinato. Eu disse que eu gosto de brincar com a estrutura narrativa, né, pois bem.

Em Açougueira, a narradora conta seu testemunho de vida e o oferece perante um júri. Essa mulher quieta e observadora espia a vida por uma fresta e vive a vida por uma fresta. “Ir contra Deus, desse jeito, é demais, é ir contra a natureza do homem. Mulher não age assim.” Dizem a ela, e contra deus e tudo, ela segue, abrindo passagens. Neste romance, Marina Monteiro trabalha linguagem e forma de um modo admirável e faz emergir uma história inquietante e polifônica.
Natalia Borges Polesso

Se ficar com vontade de saber mais, joga Açougueira nas redes e vai aparecer versão física e digital, inclusive com descontos bons agora nesse final de ano. Querendo com dedicatória fala comigo, tenho exemplares pra venda e também dou aquele descontão.

Alerta de fim de anúncio!

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